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segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

Contratempos na véspera de Natal

A véspera de Natal é sempre vivida numa agitação. Entre sobremesas e tudo o que há a preparar para a ceia de Natal só paro mesmo à noite. Isto, quando também não tenho prendas de última hora a comprar.
Se há coisa que odeio com todas as minhas forças é enfiar-me num hipermercado, seja Continente, seja Pingo Doce, seja Intermarche, seja o que for, no dia de véspera de Natal. Se querem ver-me furibunda da vida, é mandar-me às compras nesse belo dia de Dezembro. Como tal, tento ter tudo orientado, mas todos os santos anos há sempre um porcaria qualquer que falta e pumbas, lá vou eu para aquela confusão infernal. Este ano não foi diferente, mas, desta feita, tive direito a um pequeno acidente de carro. Caaaaaalma, não houve feridos, não foi nada de muito grave, a vossa Gata continua rija (não tanto como gostava, vá) e pronta para as curvas.

O acidente foi mesmo daqueles estúpidos (há acidentes estúpidos?!), daqueles que tu estás a ver que vai acontecer, mas não consegues (nem podes) fazer nada para evitar, só fechas os olhos, encolhes-te e puuuuuumba, toma lá morangos.
Basicamente, saí de casa dos meus pais, andei uns 30 metros de carro, parei na fila de carros (o semáforo estava vermelho), olhei pelo espelho retrovisor do carro só por acaso e dei conta que alguém vinha lançado e estava com cara de quem não ia conseguir travar a tempo, e o resto vocês já sabem. Fechei os olhos, encolhi-me e puuuuuumba, toma lá morangos. Escusado será dizer que fiquei pior que estragada (não vou partilhar a parte das inúmeras asneiras proferidas). Para quem não queria ir perder tempo no hipermercado, fiquei logo ali com uma manhã inteira estragada. Pequeno pormenor: isto tudo a 30 metros de casa e a uns 200 do meu destino. Fantástico.

Depois de bufar por todos os lados, de proferir as devidas asneiras, de respirar fundo vinte e sete vezes e de fazer a chamadazinha a quem de direito, lá saí do carro. O cenário era bestial: duas carroças a empatarem o transito em plena estrada nacional (damn!!). Ora portanto, tudo o que mais queria para uma véspera de Natal.
Estava com vontade de esganar o condutor que provocou esta situação, mas perdi a vontade toda mal dei conta que tratava-se de um senhor idoso e que tremia por todo o lado ainda dentro do carro. Estava sozinho. Apesar do embate, o meu carro não ficou com a traseira amassada, os únicos estragos são a pintura (é cinzento e agora tem umas "tatuagens" azul-choque, muito vónite), já o carro do senhor... Bem, ficou com a parte da frente toda estragada e o carro não andava sequer.

Abri a porta ao senhor, disse para ter calma e perguntei se estava tudo bem ao que respondeu positivamente. O senhor saiu do carro e quando dei conta que trazia ao pescoço um cartão do hospital com a indicação de se tratar de um doente neurológico, caiu-me tudo. Arrependi-me logo de toda a fúria inicial. Enquanto a policia chegava e não chegava fomos falando. O senhor não fugia à regra e contou-me quase uma vida inteira. Disse que vinha do Lidl, que ia para comprar leite, mas que não encontrou estacionamento. Estava chateado porque as pessoas nem os lugares para deficientes respeitavam. Desistiu do leite e ia em direcção a casa quando tudo isto aconteceu. Disse que vinha devagar e que travou, mas que o carro não obedeceu.
Depois, disse-me que era viúvo e que ia passar o Natal sozinho. Se eu já me sentia com o coração pequenino, nesse momento, ficou completamente espremidinho.

"Vou passar o Natal sozinho" foram palavras que me ficaram na cabeça o resto do dia. Um senhor idoso que, provavelmente, a única coisa que ia ter para o confortar na noite de Natal era o leite quente, já nem isso tinha. Nem o seu leite, nem companhia. Para compor o ramalhete, ainda fica sem carro já que o único destino possível é a sucata. E queixamo-nos nós, muitas vezes, de quê?
Da mala Prada que não temos?
Dos Louis Vuitton de 10 cm que não temos?
Do último iPhone do mercado que não temos?
Do carro topo de gama que fulano tem e nós não?
Queixamo-nos de quê, quando temos o essencial? Quando temos saúde e família, o fundamental para sermos alguém na vida. Porque desde sempre que o importante é "ser" e não "ter". Às vezes, queixo-me e aborreço-me com a lentidão da internet ou do portátil (por exemplo), quando há pessoas que nem electricidade têm. Quantas e quantas vezes queixamo-nos de barriga cheia? Quantas e quantas vezes não damos o devido valor ao que temos e a quem temos do nosso lado? Quantas e quantas vezes damos demasiada importância ao que é perfeitamente secundário?

Às vezes, preferia ser uma pessoa mais desligada, menos sensível e até mais fria. De certeza, que tudo isto passava-me ao lado e a véspera de Natal continuava a ser de sorrisos e como se nada fosse. Mas não sou e a verdade é que esta situação do senhor deixou-me a maturar em tantas e tantas coisas.
Foi por isso que esqueci tudo o que tinha para fazer e, mesmo com tudo tratado da minha parte, fiz companhia ao senhor até o reboque chegar e cumpri com a minha boa acção do dia. No fim, tive direito a um beijo na mão, a um obrigada e a um sorriso sincero. Pequenos gestos, grandes corações. Assim devia ser o mundo.


P.S.: Ainda em modo melancólico. Que venha a festa de passagem de ano para dar aquele "up".

24-09-2013 15-51-22

25 comentários:

  1. Opa eu não sei se isto é um problema mas para mim tudo o que envolva idosos faz-me chorar rios, toda a gente goza comigo por chorar até numa fila dum supermercado quando vejo um idoso a pagar porque penso nas dificuldades que deve ter para se conseguir sustentar um mês inteiro com medicamentos e necessidades... É tão cruel uma pessoa que passa a vida acompanhada e a fazer companhia aos outros chegar um dia que está completamente sozinha e ainda tem azares na vida..
    Mas pronto ainda bem que ficou tudo bem contigo e com o senhor, e com o teu carro também. Espero que na passagem de ano "arrebites" e aproveites como não aproveitaste no Natal :)

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  2. Cada vez mais gosto de te ler, gata.

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  3. Acreditas que o meu primeiro acidente foi numa manhã de 24 de dezembro numa ida ao supermercado?!?!

    Ainda bem que tudo acabou por fucar bem, pelo menos para ti. Bom ano, beijinho
    http://avidaeueocloset.blogspot.pt

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  4. Deixaste-me com um nó na garganta...
    A sensação é mesmo essa. Nós a olhar para coisas que nada são e Gente a passar por tamanhas provações. É nestas alturas, e pensando neste senhor, que penso "Porque raio o Karma não funcionou?"
    Célia

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  5. :'( é triste pensar que há pessoas sozinhas no mundo! Então quando toca a idosos fico mesmo com o coração partido, só de pensar que provavelmente tem filhos e que nem sequer lhe ligam... e triste ver as pessoas cada vez mais obcecadas nos bens materiais do que nos sentimentos.

    Grande texto gata!

    Beijinhos
    E.H

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  6. Não podia concordar mais e esse acontecimento só provou o que nós já devíamos pensar há muito! =)
    Beijinhos

    eyeliner-and-red-lips.blogspot.com

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  7. Sou igualzinha. Falo, refilo, praguejo. Mas depois vejo situações dessas e o meu coração fica tão pequenino que nem consigo dormir à noite.
    Pensa que foste uma pessoa bondosa na vida dele, e no seu natal.
    És um amor de pessoa gata :D

    A gostar ainda mais desta gata!

    Beijinhos,
    http://princesasemtiara.blogs.sapo.pt/

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  8. as coisas não acontecem por acaso. Fez-te rever a tua «má-disposição» por teres de ir ao supermercado, enquanto ele apenas queria ir ao supermercado... Ás vezes levamos com cada chapada de luva branca, com cada banho de realidade que até dói.
    Por fim, espero que ambos tenham tido um bom natal, dentro do possível

    (mas confesso que sou como tu, ir aos supermercados em véspera de natal, só mesmo em último caso)

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  9. Estas coisas deixam-nos a pensar na vida e que muitas das vezes não pensamos que há pessoas que não têm metade do que nós temos...snif snif

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  10. Podias ter convidado o Sr para a tua mesa. Isso sim, era uma boa ação.

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    1. Perfeitamente de acordo, eu não arredaria pé dali sem o levar comigo.

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    2. Tanta critica. Quem disse ela podia fazer essa opção? Quem disse que o jantar ia ser em casa dela? Quem disse que ela não lhe pediu, ofereceu, etc e ele simplesmente não quis aceitar? Ela até poderia nem se ter lembrado de tal coisa.

      As pessoas são muito boas a criticar mas no momento de ajudar é "ai agora não posso", "ai agora não me dá jeito nenhum", etc.

      Ainda recentemente encontrei uma criança perdida e a única pessoa que tinha planos e compromissos era eu e num grupo de mais de 10 pessoas eu fui a única que fiquei com a criança e a ajudei.
      No entanto, quando se fala de assuntos do género todos são bons samaritanos e falam e dizem que faziam e aconteciam mas quando chega a hora H a teoria é o "não dá jeito", "não tenho tempo".

      Critiquem menos e façam mais.

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    3. Mto bem anónimo das 14:44, concordo com tudo o q disse, quem normalmente atira a primeira pedra está coberto com telhado de vidro ...

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    4. É isso mesmo, tem toda a razão!!!
      Há 18 anos adotei uma criança, e passei a madrugada de 24 para 25 a distribuir comida aos "sem abrigo" de Lisboa.
      Não confunda a natureza de um comentário com uma crítica, pois algum dia o seu coração ainda poderá ficar na dúvida entre uma ação e a mera intenção.
      Votos das maiores felicidades, e que 2016 lhe proporcione a realização dos melhores sonhos e projetos para um bem maior :)
      (anónimo das 12:15)

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  11. Infelizmente é a realidade de muitos idosos no nosso país. Muitos que deram a trabalharam uma vida para cuidar dos filhos, outros que não tem mesmo ninguém:(
    É triste...!
    Beijinho
    MR💗
    @sagadaemigracao

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  12. olá gata, antes de mais um feliz natal para ti e para os teus* fartei-me de chorar a ler este texto, fico muito emocionada com histórias de idosos que ficam sozinhos no mundo :( não convidas-te o senhor para ir passar a noite com a tua família?

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  13. Chorei ao ler o teu texto. Queixamos-nos demais realmente...


    Beijinhos querida

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  14. Acho que se tivesse passado este teu episódio não tinha conseguido aguentar a véspera de Natal sem chorar baba e ranho a pensar no velhinho que, naquele momento, estaria sozinho em casa.
    É fácil para quem está de fora dizer que convidaria o senhor para passar o Natal connosco. Foi o que pensei quando acabei de ler o texto, mas no calor do momento as reacções não são assim tão espontâneas.
    Mesmo assim, pergunto: ficaste com o contacto do senhor? Se sim, faz-lhe uma surpresa e dá-lhe qualquer coisa para que, pelo menos, a última noite deste ano, seja passada em conforto e a acreditar que existem pessoas realmente boas.

    Paula Patrício
    www.oblogdapaula.blogs.sapo.pt

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  15. Fiquei triste ao ler este texto e a pensar na vida solitária desse senhor :(

    Tens um bom coração gata <3

    Pronta em 5

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  16. A solidão é mesmo uma coisa muito triste...
    Tiveste um gesto bonito!

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  17. Não dá para não ficar com um nó na garganta perante uma história destas. Pobrezinho...

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  18. Esta postagem me deixou um tanto reflexiva do quanto reclamamos de fato de barriga cheia, quantos stress por nada. Belíssimo texto, inspirador. Estou começando o meu blog, dá uma passadinha lá: http://feminicesdeumajovem.blogspot.com.br/
    Beijos, Luuh F.

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  19. Até me vieram as lágrimas aos olhos com este post. Pobre senhor, ninguém deveria ficar sozinho, mas infelizmente não é o único. Foste uma querida com ele :)

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